A FRONTEIRA

Com que parte do nosso corpo activamos a escuta, quando nos chega um pedido de ajuda?Seguramente no meio de um acidente ou de uma catástrofe natural activamos (ou bloqueamos) automaticamente o instinto de sobrevivência e socorremos o outro. Agora, nos restantes casos, onde a linha entre a vida e a morte não é, aparentemente, tão ténue e imediata, o auxílio é servido com a opinião pessoal. Adoramos opinar... Houve uma altura que fui um verdadeiro caixote do lixo emocional das amigas. Quem nunca? Sem a mínima consciência, claro. Acreditava que estava a praticar o bem, permitindo que me ligassem a despejar, literalmente, e sem pedir licença, as suas emoções. E eu que não gosto nada de ficar horas ao telefone, acedia mesmo assim. Quando, finalmente perguntavam como eu estava, surgia sempre algo, ou alguém, que exigia a sua presença. Quem nunca? O tempo e as minhas experiências ensinaram-me, e bem, a importância de pedir ajuda. Perguntar se me podem escutar, que preciso desabafar, apenas estar em silêncio ou arejar dos problemas. E também, muitas das vezes que pedi ajuda, arrependi-me. Ainda hoje acontece. Sim, porque há momentos onde sinto-me humanamente bloqueada e procuro ajuda, claro! Por mais sábio que seja o mentor/terapeuta/mestre, a sabedoria só se eleva na relação entre o dar e o receber. Mas de facto, há momentos onde não recebi nada, apenas dei mais um pouco da minha história. De mim. E vim ainda mais carregada de crítica, julgamento e uma mão cheia de mezinhas. Sabes quando vais à urgência cheia de dores e o médico dopa-te sem "olhar" para ti? Sabes o que aprendi? Que a maior sábia chama-se humildade.Humildade para não limitar o outro ao nosso sistema de crenças. Humildade para não esquecer todo o caminho percorrido do outro e reconhecer a sua mestria, mesmo nos seus momentos mais cinzentos. Humildade para saber estar em silêncio e apenas escutar. Humildade para assumir que não temos sempre resposta ou solução. Humildade para perceber que o outro pode não saber o que quer ou que precisa, mas pode inclusive saber sim, só não tem como chegar lá sozinho. Humildade para compaixão nos momentos frágeis e valorização nos momentos de conquista. Humildade em assumir que, umas vezes, estamos lá em cima e outras, estamos na chão! Humildade para, pelo menos, percorrer 1 quilómetro nos sapatos do outro. Humildade para libertar o braço de forças da competição. Humildade para continuar a aprender. Humildade para o Outro. Humildade para o Eu. E lembrar que humildade não é fraqueza!Posto isto, eu sei que não tenho resposta para tudo, que sou de difícil encaixe, pois não me enquadro "em caixa", e que possivelmente nunca o farei. Sou do tamanho de todos os lugares e de nenhum. Não sei. Que para uns sou uma desequilibrada que extravasa entre a euforia e o desalento. Que seguramente há quem saiba (ou pelo menos acredita) escrever a minha história muito "melhor" do que eu. Certo??Como nada acontece por acaso, recentemente deparei-me com as palavras de uma grande mestre: "continuas a ser pouco pragmática e a esperares que outros te tragam o que afinal já devia ser TEU! Escolhe o teu caminho Michele, tu não és o elo mais fraco, e aqueles a quem tu dás a conotação superior, são tão ou mais frágeis do que a fragilidade que já conheceste e ultrapassaste em ti. Continua o teu caminho em direcção à fronteira, o que ficar fica!"Lembrar, para não esquecer.Para mim, há uma multiplicidade de oportunidades e lugares e cores e sabores e dialectos e culturas, mesmo que eu nunca saia do mesmo lugar. Não há certezas únicas. Acredito que todas podem ser válidas, na possibilidade de existência de diferentes planos e universos, quem sabe dentro de outros tantos planos e universos, em simultâneo. Pois, eu, quanto mais sei, só sei que nada sei. E sigo caminhando. Divergente.