NOVO ANO

Damos asas aos nossos desejos ao ritmo das últimas badaladas do ano, em contagem decrescente, na esperança da concretização, preferencialmente, em modo caído do céu, directo no nosso colo, por milagre do espírito e do santo, sem mexer grande palha. Vestimos a rigor a nossa melhor fantasia "vai ficar tudo bem", usamos em repeat o disco riscado "este ano é que vai ser". Os mesmos rituais propagandistas, sabe-se lá inventados por quem. Não importa, nunca importou. Compramos a quimera.
No cardápio de hoje temos: "somos todos iguais, fé, amor, paz e promessas. No cardápio de amanhã (bom, saltemos o amanhã, que estará em modo pausa). No cardápio de depois de amanhã, temos: "somos todos diferentes. Vejamos - aumento do preço da electricidade, das portagens, das rendas (o valor mais alto desde 1994!!), do pão, do gás, dos transportes, das telecomunicações… o regresso da greve da CP...
Portanto, "amigues", festa pa cima, borga do fim do mundo, curtir como se não houvesse amanhã, pois por este andar, se calhar não tem.
Permitam-me manifestar o meu desejo. De ver um Portugal trajado a rigor, com a Nação ao peito, em pleno Terreiro do Paço, a entrar pela meia-noite adentro a cantar em uníssono, o ritmo da liberdade, exigindo acerto de contas a todos os gulosos e tiranos que desgovernam isto tudo, a aquecer os que têm frio, a alimentar os que têm fome, a alojar os que perderam o chão, todos juntos a marchar na responsabilidade de arregaçar as mangas, expulsar os corruptos que nos tiram o tudo, enquanto os seus cofres estão cheios e as suas mesas fartas, e (re)construir o nosso país em extinção. Caraças, que espectáculo digno seria de assistir, enquanto o fogo de cores rasgava o céu! E eu que nem gosto de fogo-de-artifício (nunca sei onde andam os tão defensores de animais nestes dias de festa…)
Mas a verdade é que ninguém quer escutar uma "desmancha-prazeres", como eu, num dia, como hoje (it's a dirty job…).
Deixo o meu muito obrigado a todos que continuam a escolher o caminho da verdade em autenticidade, um caminho duro e muitas vezes, só; os que seguem a intuição em vez da ciência vendida; os generosos senhorios que se mantêm sem expulsar os inquilinos, muitos deles, velhos, e que não têm para onde ir; os rijos que se manifestam contra as perigosas alterações à Constituição da República Portuguesa e pelos nossos direitos; que lutam contra a censura que cresce e cresce; os que escutam e se preocupam, e buscam soluções juntos; os que se mantêm firmes, no despertar do consciente colectivo, para pararmos de criar novas cavernas.
Hoje, uma linda alma escreveu os seus votos na areia (imagem). Todos que por ali passavam ficavam rendidos. Registei o momento, desci à praia, elogiei a sua generosidade e sugeri que guardasse aquela memória na sua máquina fotográfica, da perspectiva lá do alto. Respondeu-me com o seu sorriso leve e fresco: <vou sim. Antes que a maré venha e nos lembre que tudo é efémero>.
Até amanhã
(texto escrito no dia 31-12-2023)