VIDA-MORTE-VIDA: FAZ-ME UM DESENHO
Está mais fresco do que esperava. O vento sopra frio e o meu corpo arrepia. Enquanto caminho em direcção à praia, a mente desbobina pensamentos, uns atrás dos outros. O costume. Os suspeitos é que vão transmutando. Se revelando. As questões da minha sensação de impotência face à prisão que vamos construindo, todos os dias, enclausurando a nossa liberdade em celas cada vez mais reduzidas, assolapam-me. Busco sinais, confesso que muitas das vezes, sem esperança. Vislumbro o canvas e peço à vida que me faça um desenho. Ela mostra-me a morte. Tanto em cima como em baixo.
No céu são rastos fantasmagóricos que alastram e cobrem o planeta num manto branco de terror, composto de produtos tóxicos que insistem em tapar (à força) a luz e o calor do "meu" sol. Tosse interminável, dores de cabeça, mau humor, pedras da calçada sempre húmidas e escorregadias, mesmo quando não chove. Sinais. À minha volta.
Caminho descalça à beira do mar na areia molhada entre a espuma branca como a cal que dança livre pelos meus pés. No silêncio escuto os gritos do oceano. Já não tem a força de transmutar a energia que sempre exigimos dos seus temperos salgados curativos e vem expulsar a sua dor para fora das suas águas. Vês o mesmo que eu? À minha volta tudo segue dentro do novo normal. Artificial. Observo um cemitério da vida natural. Sinais da Vida-Morte-Vida. Um cemitério de pedras-caveiras ao longo da praia, nas suas lápides inscrita toda a sua sabedoria mineral, milhares de milhões de anos de histórias de vida nos seus ossos, com sabor de extinção, anulação, censura. Vida-morte-vida. Sempre de mãos dadas. Avisto penas de um branco imaculado. Leves como a brisa dos sonhos de uma noite de Primavera. As asas de um anjo. Será o sinal de esperança? Qual a sina que se adivinha nos veios desenhados nas placenta da terra pelas águas correntes?
A faísca divina da vida manifesta-se. E nós? Que fazemos? Confinamos os nossos sentidos, escravizamos pensamentos, emoções, corpos, reduzimo-nos em pequenos aparelhos electrónicos. Depositamos toda a nossa VIDA, lá. Um update dos nossos registos akashicos, sem os quais, não sobrevivemos. Virou oxigénio e dióxido de carbono dos homens. Ah, mas tem pegada verde. Soubéssemos nós a dissonância cognitiva com que nutrimos o conceito "green".
Vida-Morte-Vida. Cumprimos, obedecemos, censuramos, segregamos, e o plano macabro de extinguir a mais maravilhosa força e essência de Ser Humano prossegue. Os implantes de grafeno que dançam de vitória em muitos corpos e que, cegamente, consentiram este caminho chamado futuro. Um futuro cuja força reside no controlo por máquinas, de uma inteligência artificial (o que pode haver de inteligente nisto?), do domínio que nos escraviza através dos satélites que "crescem" em órbita como cogumelos nos céus, um mundo transhumanista onde a vida não mais terá origem numa fonte de inteligência orgânica e natural.
Sempre que posso, vou em busca de refúgio na floresta, dentro das suas cúpulas me resguardo das redes e dos seus 4, 5, 6G's. Devolvo-lhe o agradecimento com o toque do meu tambor, onde vibra fogo e água e terra e mineral e toda a natureza. Agradeço pelas revelações por que tanto ansiava. Por um lado, que a salvação reside em mim; por outro, a desesperança na eterna espera (tão infinita que exaspera) num messias que há-de chegar e salvar-nos dos vilões que controlam isto tudo. O Dom Sebastião morreu. De vez. E o messias já nasceu faz tempo, ele reside dentro de cada um de nós. O cálice só pode estar escondido num lugar único, aquele lugar onde teimamos não procurar. Vida-Morte-Vida. Faz-me um desenho.